Estima-se que as compras governamentais representam um percentual significativo do PIB, entre 10 a 15%. Assim, o poder de influência do governo é enorme ao escolher os seus fornecedores, sendo capaz de estimular o crescimento do “mercado ESG. Exatamente por isso, espera-se há muito tempo que o poder público implemente compras sustentáveis, exercendo papel de liderança no tema.
Desde 1981 a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) já estabelecia diretrizes gerais para a atuação da administração pública em temas ambientais, servindo como primeira referência para as compras públicas sustentáveis.
Por sua vez, a Lei 12.187/09 estipula, como instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima, medidas que estimulem o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos (art. 6º, XII).
Destaca-se ainda, a Instrução Normativa 1/10, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que dispõe sobre os critérios de sustentabilidade na aquisição de bens e contratação de serviços ou obras no âmbito da administração pública federal.
Apesar de a legislação de forma esparsa e não sistemática prever instrumentos e algumas disposições referentes às compras sustentáveis, estas não se difundiram como o esperado por falta de compulsoriedade e definições na legislação que regulamentava as licitações (Lei 8.666/93).
Nesse contexto, a Nova Lei de Licitações, conectada ao seu tempo e à demanda da sociedade, incorpora alguns ingredientes da temática ESG nos procedimentos de contratação pública. A Lei 14.133, sancionada em 1º de abril de 2021, revoga a Lei nº 8.666/1993, mas terá um prazo de dois anos para a obrigatoriedade da sua aplicação.
Nesse sentido, a nova lei, para além de manter o desenvolvimento nacional sustentável como princípio e objetivo, passa a adotar nas contratações públicas critérios ambientais, como licenciamento ambiental, logística reversa, ciclo de vida, reciclagem e eficiência energética.
Além disso, a nova lei segue a tendência mundial de focar nas questões de sustentabilidade e impacto dos negócios, incluindo também como novidade a preocupação com a promoção da diversidade, da acessibilidade e da integridade corporativa nas compras governamentais.
O artigo 14 estabelece um critério social impeditivo de participação em licitação ao prever que não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente, qualquer um que tenha sido condenado por emprego de trabalho infantil.
Nos quesitos de diversidade e igualdade, por exemplo, prevê o artigo 25, §9º, a possibilidade de o edital a exigir que um percentual mínimo da mão de obra responsável pelo cumprimento de determinada contratação seja constituído “por mulheres vítimas de violência doméstica” ou ainda por “oriundos ou egressos do sistema prisional”. São também critérios de desempate, o “desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho (…)”.
Ademais, a nova lei cria ainda incentivos e benefícios competitivos nas licitações para empresas com atuação sustentável. Nos casos de empate, preferência para empresas que comprovem a prática de mitigação. Nos casos de obras, também é prevista a possibilidade de remuneração variável com base em critérios de sustentabilidade ambiental. Já no caso dos bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, a nova lei atribui margem de preferência (Art. 26.II).
No campo da acessibilidade, o artigo 45, VI, dispõe que as licitações de obras e serviços deverão obedecer às normas relativas à “acessibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida”.
Por outro lado, o programa de integridade (compliance) passa a ter função relevante nas contratações públicas, sendo obrigatório nas contratações de grande valor e concedendo privilégios às empresas que o adotam.
Sendo assim, observa-se que a nova lei de licitações se apresenta como um indutor da implementação da temática ESG, mostrando a preocupação do legislador quanto à relevância dos aspectos ambientais, sociais e de governança no âmbito das contratações da Administração Pública.
Contudo, o legislador, no estabelecimento de margem de preferência, deixou de dar prioridade aos aspectos ESG. Isso porque o artigo que trata dos critérios de desempate (Art. 60), em sua ordem de preferência, coloca os aspectos de equidade de gênero e de integridade como as duas últimas posições. Ademais, nos critérios de julgamento (Art. 33.), nenhum aspecto ESG foi considerado, levando apenas em consideração aspectos econômicos.
A busca do menor preço, nem sempre significa o menor custo a partir de uma perspectiva mais ampla, considerando o impacto no produto no meio ambiente e as respectivas externalidades negativas. Um produto pode ter o preço mais baixo, mas gerar um consumo posterior muito mais elevado de energia ou ser de difícil reciclagem, perdendo valor no fim de sua vida útil.
Assim, efetivamente o ESG poderá ser alcançado, sobretudo no que se refere às questões ambientais, na definição das especificações técnicas, que deverá considerar a tecnologia que produz o menor impacto possível no meio ambiente. Certificações que atestam questões ESG devem se exigidas, conforme o caso. Também deverá ser prestigiada a inovação ambiental e social dos produtos e serviços. Com isso, ao se buscar o menor preço, ou seja, a eficiência nos gastos públicos, também devem ser consideradas as questões ambientais.
As questões de ESG merecem ser prestigiadas em todo o procedimento licitatório, desde a habilitação até a seleção da proposta. As empresas participantes deverão cumprir alguns requisitos mínimos de ESG para participarem, cumprindo a legislação ambiental, social e de governança. O participante deve comprovar a sua capacidade de implementar as medidas de gestão ESG e das técnicas a ele relacionadas.
Assim, o que se espera é que o advento da nova lei de licitações represente uma nova fase na evolução das compras governamentais, com maior consideração dos temas ESG.
A área de ESG do FCR Law tem experiência no assunto e está à disposição para esclarecer dúvidas e assessorar a sua empresa na integração da base legal dos critérios ESG.
Marcelo Coimbra é sócio fundador do FCR Law. Com atuação na área Empresarial, Tributária, ESG e Compliance. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo e Doutor em Direito Tributário pela Universidade de Colônia, Alemanha.
Isabelle Gonçalves é advogada e P&D da área de ESG do FCR Law. Mestranda em Ciências Jurídico-Ambientais pela Universidade de Lisboa, Portugal e Pós-graduanda em Direito Constitucional.
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