Nos anos recentes, as discussões em torno da regulamentação da proteção de dados pessoais se tornaram prioridade em diversas partes do mundo. No Brasil, apesar da entrada em vigor em agosto do ano passado da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), esse debate ainda é incipiente para a maioria dos brasileiros.
Isso é o que revela uma pesquisa mundial realizada com 24 mil pessoas, divulgada nesta quarta-feira (3/2) pela OpenText, uma organização canadense que desenvolve software de gerenciamento de dados.
Segundo o levantamento, seis em cada dez brasileiros (60%) afirmam ter apenas uma “vaga ideia” do que se trata a LGPD. Já 30% dizem que a conhecem efetivamente, ao passo que 10% não sabem do que se trata a legislação. A amostra brasileira da pesquisa foi de 2 mil respostas.
Em comparação com outros países que participaram do levantamento (Alemanha, Austrália, Canadá, Cingapura, Espanha, França, Índia, Itália, Japão e Reino Unido), o Brasil está à frente apenas da Itália no quesito consciência sobre a legislação de proteção de dados. No país europeu, quase 70% informam ter uma vaga noção sobre a questão, enquanto 18% afirmam conhecer bem. 12% não sabem do que se trata.
Já a média internacional revela que 41% dos entrevistados estão muito conscientes sobre o tema, outros 47% alegam ter conhecimento parcial das legislações de proteção de dados de seus países, e 12% não a conhecem.
No Brasil, a pesquisa foi realizada entre os dias 11 e 25 de novembro do ano passado, portanto antes do megavazamento de dados registrado recentemente no país. De acordo com investigação do site de notícias especializado em tecnologia “TheHack”, foram mais de 220 milhões de CPFs vazados que estão sendo vendidos na deepweeb.
Além disso, também foram expostos RG, nome completo, gênero, data de nascimento, nome dos pais, estado civil, ano de atualização dos dados, email, endereço, ocupação, telefones, escolaridade, estado civil, classe social, salário, outras rendas, informações sobre benefícios (Bolsa Família, FGTS, INSS), declarações de imposto de renda, PIS, NIS, CNS, poder aquisitivo, score de crédito, entre outros dados dos brasileiros.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por zelar pela proteção dos dados pessoais e por orientar, regulamentar e fiscalizar o cumprimento da LGPD, se restringiu a dizer que “está apurando tecnicamente as informações sobre o incidente de segurança de dados pessoais amplamente noticiado pela mídia nos últimos dias”.
Na avaliação de Roberto Regente, vice-presidente para a América Latina da OpenText, os debates no Brasil sobre proteção de dados e privacidade ainda são muito recentes, mas vazamentos como esse devem acelerar o processo de conscientização da população sobre a importância do tema.
“Aqui, a sociedade está em processo de aprendizado, de conscientização. Será papel também das empresas cobrar para que esse tema se popularize. A proteção de dados, para mim, é como diversidade e sustentabilidade: todos têm que abraçar. Empresas, Estado e sociedade”, diz.
Os vazamentos também podem desenvolver uma maior preocupação em relação a como as empresas de fato tratam os dados pessoais, aponta Regente. Na pesquisa, por exemplo, 84% disseram nunca ter entrado em contato com alguma empresa para saber como as suas informações são usadas. A média internacional é de 78%.
“A partir do momento em que as pessoas adquirirem mais consciência sobre a importância da proteção de dados, elas passarão a questionar porque é preciso dar seu CPF no supermercado. Outro exemplo: um aplicativo de mobilidade urbana rastreia meu GPS só quando estou usando? É um caminho sem volta, essas questões vão começar a aparecer e as empresas terão que responder”, avalia.
Fabício Polido, professor associado da Faculdade de Direito da UFMG e sócio do L.O.Baptista Advogados nas áreas de Tecnologia, Inovação e Solução de Disputas, aponta que o megavazamento abre uma oportunidade para que a sociedade comece a discutir os efeitos de exposições em massa para apropriação indevida de informações por sujeitos diversos.
“É necessário discutir seriamente como atuam as empresas que adquirem ou que se apropriam de dados eventualmente vazados, e as que não têm qualquer comprometimento com obrigações vigentes da LGPD e direitos de titulares de dados. Devemos abordar também os possíveis riscos se organizações criminosas passarem a utilizar esses dados pessoais em escala comercial e mecanismos de vigilância combinados com governos e empresas”, diz
Para Polido, a conscientização da sociedade sobre o tema passa também pela atenção da imprensa em relação à proteção de dados, assim como pelo acompanhamento dos órgãos reguladores, principalmente para reafirmar a transparência e a prestação de contas em proteger as informações dos cidadãos. (Fonte: Jota – Clara Cerioni)