Está empatado, no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento em que a Corte vai decidir se locadores de imóveis comerciais podem penhorar bem de família do fiador para garantir o recebimento de valores em aberto.
Depois de oito votos proferidos hoje, o julgamento foi suspenso. Não há previsão de quando será retomado.
Os ministros julgam o tema por meio de um recurso apresentado por um fiador contra decisão do Tribunal de São Paulo (TJ-SP). Os desembargadores permitiram a penhora de um imóvel, o único bem da família, para a quitação do contrato de aluguel.
O fiador afirma, no processo, que a locação comercial tem que ser tratada de forma diferente da locação residencial – situação em que os ministros permitiram a penhora de bem de família. Segundo ele, o direito à moradia, que valeria tanto para o fiador como para o dono do imóvel residencial, se aplica a esse caso.
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“Aqui, temos de um lado o princípio da dignidade da pessoa humana, a proteção à família e o direito constitucional à moradia e, de outro, a iniciativa privada”, reforçou aos ministros o advogado Rafafel Silvestrini, que atua para o fiador no caso, quando o julgamento foi iniciado, em sessão anterior.
Representante da empresa que cobra a penhora, o advogado Admar Gonzaga, afirmou aos ministros, por outro lado, que a lei não faz distinção entre as modalidades de locação. Disse que o fiador é o principal sócio da companhia devedora e que “de livre vontade e arbítrio” deu o bem em garantia.
Empresas que atuam no setor de locação afirmam que cerca de 90% dos contratos de aluguel firmados com micro, pequenas e médias empresas têm a fiança como garantia. Com eventual decisão contra a penhora a situação vai mudar e pode resultar em encarecimento dos alugueis.
No STF, o tema é julgado em repercussão geral, ou seja, a decisão dos ministros tem de ser replicada a todos os demais processos em tramitação no país (RE 1307334).
Só no STF são 146 recursos extraordinários de fiadores contra decisões do TJ-SP sobre essa mesma matéria. No país, há 236 processos sobre o assunto com o andamento interrompido.
A Lei nº 8.009, de 1990, prevê exceções à impenhorabilidade do bem de família. Uma delas (artigo 3, inciso VII) estabelece que a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movida por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
“A finalidade é não restringir a possibilidade de fiança em locação daqueles fiadores que se apresentassem com um único imóvel”, explicou o relator da ação no STF, ministro Alexandre de Moraes.
O relator lembrou do julgamento do tema 295 em que o STF decidiu que é constitucional penhora de bem de família e distinguiu do caso concreto, de locação comercial.
Para Moraes, a previsão legal não faz distinção quanto a locação residencial ou comercial para excepcionar a penhorabilidade do bem de família do fiador. “Se a intenção do legislador fosse restringir a possibilidade de penhora do fiador à locação residencial teria feito essa ressalva”, afirmou.
O voto de Moraes foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Kassio Nunes Marques e Dias Toffoli.
Divergiram os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.
A possibilidade de penhora do único imóvel residencial familiar na locação comercial esvaziaria o conteúdo do direito à moradia e atingiria seu núcleo essencial já que o direito à moradia prevalece em relação à livre iniciativa, que pode ser protegida de outras formas, segundo o voto divergente de Fachin.
O ministro citou precedentes das duas turmas da Corte nesse sentido.
“Certamente todos conhecemos alguém que prestou fiança ou aval para amigo em dificuldade financeira para depois enfrentar dissabores indesejados”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski. Fonte: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon — Brasília